sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Aparências

        Parou em um boteco. Nenhum atendente lhe deu atenção. Uma moça encostou no balcão e pediu um suco. O atendente distraiu-se por um instante com a tatuagem no dorso da mão que ela tentava esconder puxando a manga da blusa.
        — É uma borboleta?
        — Não. Um elefante.
        — A senhora pagou para um tatuador fazer um elefante parecer uma borboleta?
        — Não. Eu pedi um elefante, mas todo mundo acha que é uma borboleta.
        — Puxa, que azar, hein?
        — Azar, nada. Foi sorte.
        — Sorte?
        — É. Sorte de me livrar dele.
        — Dele quem? Do elefante?
        — Não, de me livrar do ex. O tatuador era namorado na época. Eu não queria fazer a tatuagem, mas ele acabou me convencendo. Na véspera tivemos uma briga horrível. Ele deformou o elefante só de raiva.
        — Toda vez que a senhora olha para a borboleta se lembra da briga?
        — Elefante. Para mim sempre vai ser um elefante.
        O homem que assistia a tudo, até então calado, bateu com a chave de casa no vidro do balcão.
        — Estou há 5 minutos esperando alguém me atender, e todo mundo fica para lá e para cá sem olhar para a minha cara. Para piorar, esse cidadão ainda fica perdendo tempo com borboleta.
        A moça apertou os lábios.
        — Elefante. E-le-fan-te. Quer saber? Nem provei o suco e já não gostei. Pode cancelar o pedido.
        — Mas, moça, o suco já está pronto.
        O homem olhou para o copo e guardou a chave no bolso.
        — Me passa o suco. Essa pizza aí está quente?
        — Está morninha.
        — Então, me vê quatro do que estiver mais quente e embrulha para viagem. Minha mulher está esperando em casa e vocês já me fizeram esperar mais do que devia.
        Bebeu três goles do suco e afastou o copo. Pegou um punhado de moedas no bolso e colocou no balcão. Saiu sem esperar o atendente terminar de conferir o dinheiro.
        Foi caminhando apressado com o embrulho na mão, olhando os ônibus que passavam quase vazios. Segunda-feira à noite, a cidade ainda carregava a preguiça do domingo.
        Viu seu ônibus passando. Fez sinal. Não era ponto, e o motorista não parou. Parou para investigar no bolso se tinha dinheiro trocado para o ônibus. Remexeu no bolso da calça e percorreu com os dedos as notas do pagamento do mês. Puxou a primeira e olhou: uma nota de dez. Colocou-a no bolso da camisa para pagar a passagem.
        Notou que o ônibus que passava ainda não era o seu. Ouviu um assovio a uns passos de distância. Devia ser alguém fazendo sinal para o motorista, mas o ônibus não parou. Mais uns minutos, outro assovio. Nenhum ônibus adiante. Uma sombra se aproximava. Apertou o passo. Olhou novamente para a sombra, que não parecia ser alguém corpulento, mas uma protuberância naquela mancha preta chamou sua atenção.
        Começou a suar frio. Teve vontade de correr, mas apenas acelerou o passo. A sombra acompanhava o seu ritmo. Novo assovio. Definitivamente, era com ele. Gelou. Nada de ônibus. Nada de gente por perto. Nada de coragem de correr. Finalmente, a sombra o ultrapassou. Sua cor havia escoado. A sombra era um menino com uma garrafa na mão que, de súbito, pôs fim ao tormento:
        — Tio, me dá um cocrete?


Postado também no blog Nós da Escrita.


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