De repente alguém comentou sobre a mudança de comportamento da Ana. Era consenso. Um se queixou de tê-la achado meio apática. Outro dizia que ela andava meio isolada. Outros achavam que a questão era a falta de dinheiro. O fato é que ela já não procurava mais os amigos. Se não fosse por uns dois amigos que não sossegavam com a falta prolongada de notícias, ninguém saberia o que se passava com ela. Então, Marta anunciou a solução:
— Um bazar! Vamos fazer um bazar! Assim a gente se encontra e ela ainda põe um dinheirinho no bolso. Não é ótima essa ideia?
Ligaram para a Ana. Ela topou. Falou que deixaria a chave debaixo do tapete da porta da frente no dia do bazar para o primeiro que chegasse ir organizando tudo. Ela só conseguiria chegar mais tarde. Nomeou por telefone um encarregado. Disse que poderiam vender o que quisessem. Já fazia um tempo que ela andava enjoada de olhar para aquelas mesmas coisas.
No dia do bazar, a casa ficou cheia. Ana tinha tanta coisa interessante, inusitada e cheia de personalidade que o boca a boca superou as expectativas. Com a demora de Ana e insistência dos amigos, mais coisas iam sendo colocadas à venda. Quatro horas depois, não restava quase nada.
O bazar terminou, e nenhuma notícia de Ana. Os amigos, sem achá-la e cansados de esperar, resolveram comemorar o sucesso do bazar em um botequim não muito longe dali.
No dia seguinte, Maria chegou cedinho para fazer a faxina. Antes que o dedo encostasse na campainha, notou a porta aberta. Chamou e não ouviu resposta.
— Dona Ana? A senhora está por aí?
— ...
— Dona Ana?
— ...
 — Ué... Porta aberta, jornais velhos pelo chão. Os móveis sumiram. Então, D. Ana só pode ter se mudado!
Maria ia pisando devagarzinho, amaciando os passos como quem teme afugentar um passarinho. Foi percorrendo os cômodos um a um. Quando passou pelo quarto, viu de relance o laptop no chão. Recuou dois passos e parou.
— Bem, Dona Ana não ia se mudar e deixar o computador no chão, né? Logo Dona Ana, que podia viver sem sair de casa, sem telefone, sem uma alma por perto, sem TV, sem livro nem nada. Ela vivia dizendo que não precisava de mais nada disso, que tudo isso ela conseguia com o computador.
A ideia de ver uma pessoa passando a vida diante daquela máquina dava arrepios em Maria. Ela olhou o laptop com desconfiança. Assim onde estava, encostada na porta, via o laptop de lado, com a tela abaixada, mas aberto o suficiente para perceber que saía um clarão da tela e refletia no chão. Os reflexos dançavam no chão. E havia um fone de ouvido conectado de onde parecia sair algum ruído bem baixinho. Maria, então, se aproximou para tentar escutar melhor. Mesmo assim, mais perto, os ruídos ainda eram uma massa sonora indistinta.
De repente um reflexo pareceu pular sobre seus pés. Ela deu um pulo assustada.
— Credo! Parece que tá vivo!
O reflexo avançou em sua direção outra vez, parecendo querer desafiá-la. Maria empurrou a tela para cima e encarou o reflexo. Soltou um grito. O reflexo era Dona Ana batendo na tela - pelo lado de dentro.
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Muito legal o texto, dá até para virar um curta!
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