terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Para minha mãe, onde ela estiver

         Mãe,
        desde pequena você me ensinou que a única coisa certa na vida era a morte. Que eu precisava me preparar, pois um dia você ia ter que ir embora, como todos nós teremos que ir um dia. Você me ensinou quase tudo o que eu sei. E o que eu não sabia eu sempre pude perguntar. Você sempre tinha resposta.
        Sabe, acabei de receber um e-mail de uma pessoa da qual você gostava muito que diz assim:

"Já tem alguns dias que tenho tido sonhos com você e sua mãe, por isso que estou te mandando esse e-mail. No sonho ela dizia que sentia muito sua falta e me pedia pra ir até você e te dizer isso."

        Sabe o que mais dói? Não poder te responder. Ter perguntas e não poder ouvir suas respostas. Não poder te dar um longo abraço, depois dar um beijo na sua testa e dizer o quanto eu te amo. Não poder sentir tuas mãos enrolando os cachinhos do meu cabelo. Não poder mais passar madrugadas gargalhando com as maiores bobagens ou desabafando os segredos mais impublicáveis. Não poder te ligar para contar como vai a vida. Não poder sentir o cheiro do perfume de rosas que você usava depois do banho exalando da sua pele, cheiro que eu, carinhosamente, chamava de cheiro de mãe. Não poder te contar os meus planos. Não poder ouvir seus conselhos. Eu nunca mais vou poder te ouvir. Eu nunca mais vou poder te ver. Você nunca mais vai poder me ler. Mesmo assim, mãe, eu precisava te falar todas essas coisas. E, como não há mais os seus incansáveis ouvidos de mãe, eu tive que colocar a minha saudade no papel. Espero que, mesmo sem poder me ler, você possa sentir o imenso amor e gratidão que sempre existirão em mim.



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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

"A gente sai diferente do teatro e do cinema. Sai outra pessoa."

        O que inspirou esse post foi a recente frase de uma amiga que tem compartilhado comigo o prazer de ir ao teatro. "A gente sai diferente do teatro e do cinema. Sai outra pessoa" - disse ela.
        Que poder mágico é esse que nos envolve, nos subtrai a realidade e, quando nos devolve, sempre nos encontramos modificados?
        A arte tem o poder de ampliar nosso mundo interior. O mundo interior e a arte são indissociáveis. É o mundo interior que cria e alimenta a arte. E o mundo interior é onde a arte ecoa. Sem ele a arte não tem propósito; é uma sala vazia.
        Quando esse mundo interior é terreno onde a arte quase não pisa, o encontro com a arte se dá de maneira extasiante, arrebatadora, como a experiência de se ver o mar pela primeira vez; quando se trata de um mundo interior em que a arte transita com intimidade, cada encontro com a arte vai enriquecendo o encontro anterior, pois mais material há para reflexão.
        Por falar em teatro e em experiências transformadoras, assisti recentemente no CCBB à peça Breu e não me saiu da cabeça uma frase. Depois de ser encorajada pela personagem cega a dar alguns passos de olhos fechados, a outra personagem diz: "Eu nunca vou sentir o que você está sentindo".
        Ao término do espetáculo, é emocionante ver que a excelente atriz Kelzy Ecard, de tão imersa na cegueira da personagem, mostra dificuldade em acostumar de novo a vista à claridade na hora de receber os aplausos do público.
        Outra peça, também no CCBB, A Mecânica das Borboletas, com atuação marcante de Otto Jr., aborda a contradição que convive em nós, pois "somos todos capazes, ora de desejar perambular mundo afora sem eira nem beira, ora de ter uma casa, de ter filhos e constituir família". E, instigando a reflexão, fica a espera pela borboleta, a derradeira peça que vai, finalmente, permitir a realização de um sonho.
        Por último, uma peça para a reflexão sobre o casamento: Amor Confesso. A peça começa com um diálogo com o público e vai, aos poucos, revelando a versatilidade dos atores. Ambos fazem papel de homem e de mulher e encarnam tipos bem diferentes, como um caipira e uma mulata. Quanto ao cenário, eles conseguem com duas simples cadeiras — as únicas peças móveis do cenário — todas as espécies de arranjos possíveis.
        Para encerrar esse post, digo que acredito, por toda a sua magnitude e caráter de experiência "pessoal e intransferível", que o encontro com a arte também tenha o poder de promover o tão desejado autoconhecimento. E, se o principal problema do "desencontro" for financeiro, aproveito para dizer que a peça Amor Confesso é gratuita e que as outras duas custam 6 reais cada.
        Então, um bom encontro a vocês!

        *Dedico esse post à minha amiga Claudia Ramos, autora da frase.



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