quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Música oportuna

Quando entrar setembro
E a boa nova andar nos campos
Quero ver brotar o perdão
Onde a gente plantou
Juntos outra vez

Já sonhamos juntos
Semeando as canções no vento
Quero ver crescer nossa voz
No que falta sonhar

Já choramos muito
Muitos se perderam no caminho
Mesmo assim não custa inventar
Uma nova canção
Que venha nos trazer
Sol de primavera
Abre as janelas do meu peito
A lição sabemos de cor
Só nos resta aprender

Já choramos muito
Muitos se perderam no caminho
Mesmo assim não custa inventar
Uma nova canção
Que venha trazer
Sol de primavera
Abre as janelas do meu peito
A lição sabemos de cor
Só nos resta aprender

(A música Sol de Primavera, que deu nome ao terceiro álbum de estúdio de Beto Guedes, lançado em 1979, foi composta por Beto Guedes e Ronaldo Bastos).



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sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Aparências

        Parou em um boteco. Nenhum atendente lhe deu atenção. Uma moça encostou no balcão e pediu um suco. O atendente distraiu-se por um instante com a tatuagem no dorso da mão que ela tentava esconder puxando a manga da blusa.
        — É uma borboleta?
        — Não. Um elefante.
        — A senhora pagou para um tatuador fazer um elefante parecer uma borboleta?
        — Não. Eu pedi um elefante, mas todo mundo acha que é uma borboleta.
        — Puxa, que azar, hein?
        — Azar, nada. Foi sorte.
        — Sorte?
        — É. Sorte de me livrar dele.
        — Dele quem? Do elefante?
        — Não, de me livrar do ex. O tatuador era namorado na época. Eu não queria fazer a tatuagem, mas ele acabou me convencendo. Na véspera tivemos uma briga horrível. Ele deformou o elefante só de raiva.
        — Toda vez que a senhora olha para a borboleta se lembra da briga?
        — Elefante. Para mim sempre vai ser um elefante.
        O homem que assistia a tudo, até então calado, bateu com a chave de casa no vidro do balcão.
        — Estou há 5 minutos esperando alguém me atender, e todo mundo fica para lá e para cá sem olhar para a minha cara. Para piorar, esse cidadão ainda fica perdendo tempo com borboleta.
        A moça apertou os lábios.
        — Elefante. E-le-fan-te. Quer saber? Nem provei o suco e já não gostei. Pode cancelar o pedido.
        — Mas, moça, o suco já está pronto.
        O homem olhou para o copo e guardou a chave no bolso.
        — Me passa o suco. Essa pizza aí está quente?
        — Está morninha.
        — Então, me vê quatro do que estiver mais quente e embrulha para viagem. Minha mulher está esperando em casa e vocês já me fizeram esperar mais do que devia.
        Bebeu três goles do suco e afastou o copo. Pegou um punhado de moedas no bolso e colocou no balcão. Saiu sem esperar o atendente terminar de conferir o dinheiro.
        Foi caminhando apressado com o embrulho na mão, olhando os ônibus que passavam quase vazios. Segunda-feira à noite, a cidade ainda carregava a preguiça do domingo.
        Viu seu ônibus passando. Fez sinal. Não era ponto, e o motorista não parou. Parou para investigar no bolso se tinha dinheiro trocado para o ônibus. Remexeu no bolso da calça e percorreu com os dedos as notas do pagamento do mês. Puxou a primeira e olhou: uma nota de dez. Colocou-a no bolso da camisa para pagar a passagem.
        Notou que o ônibus que passava ainda não era o seu. Ouviu um assovio a uns passos de distância. Devia ser alguém fazendo sinal para o motorista, mas o ônibus não parou. Mais uns minutos, outro assovio. Nenhum ônibus adiante. Uma sombra se aproximava. Apertou o passo. Olhou novamente para a sombra, que não parecia ser alguém corpulento, mas uma protuberância naquela mancha preta chamou sua atenção.
        Começou a suar frio. Teve vontade de correr, mas apenas acelerou o passo. A sombra acompanhava o seu ritmo. Novo assovio. Definitivamente, era com ele. Gelou. Nada de ônibus. Nada de gente por perto. Nada de coragem de correr. Finalmente, a sombra o ultrapassou. Sua cor havia escoado. A sombra era um menino com uma garrafa na mão que, de súbito, pôs fim ao tormento:
        — Tio, me dá um cocrete?


Postado também no blog Nós da Escrita.


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quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Pluralidade - Ne me quitte pas














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domingo, 5 de agosto de 2012

Lagoa Rodrigo de Freitas

Domingo, dia de descanso,
não para os esportistas.
Bicicletas alugadas
zanzam
em não sei quantas voltas
desvairadas.
Os pedalinhos se julgam
os senhores da lagoa
até surgir uma canoa
e lhes roubar o lugar.
A árvore-balanço
observa o menino suspenso.
E o cão, logo embaixo,
pensando que é alpinista,
tenta vencer a árvore.
Frustrado, faz as pazes
com o chão.
A menina aponta
o coco gelado,
o milho cozido,
o amendoim açucarado.
A mãe, com toda a paciência,
explica a diferença
entre carrinho de pipoca
e merendeira.
A moça de preto contabiliza
um sem fim de passos.
Mal come,
apenas bebe — só água.
A academia,
a dieta
e a balança
governam seus dias.
Não há trégua.
Vai ao seu lado,
igualmente cansado,
o cachorro da moda
de ontem à tarde.
Domingo, dia de descanso.
É preguiçoso o acordar
e demorado o café.
De tão atrasado o almoço,
por um triz, desavisado,
não esbarra no jantar.


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