terça-feira, 29 de maio de 2012

"Um dia triste toda fragilidade incide"

        Hoje vai ficar para sempre como a pior data da minha vida, mãe. Faz exatamente um ano que você foi embora. Isso me faz pensar de onde tudo vem e para onde tudo vai, em como as coisas se transformam e em como a gente precisa se reinventar para lidar com certas coisas.
        Talvez até esse momento apenas umas duas ou três pessoas saibam onde ficaram as suas cinzas. Na época, todos tentaram me convencer de que, sem sombra de dúvida, o lugar certo era o jardim da casa que você tanto amou e da qual cuidou com todo o carinho por 20 anos. Muita gente me ligou, não perguntando, mas afirmando que qualquer outro lugar deveria ficar fora de cogitação.
        A decisão final cabia a mim, e somente a mim. Diante de tanta pressão e responsabilidade, apelei para a minha intuição. Em um primeiro momento, esse local também parecera óbvio, mas eu tinha medo de que, no dia em que eu não pudesse mais atravessar aquele portão, perdesse o acesso ao lugar onde ficaram as suas cinzas e não pudesse visitar o local quando quisesse prestar uma homenagem. E a minha intuição me levou para um lugar lindo, que você costumava frequentar com alegria: a Floresta da Tijuca.
        Como eu não tinha pensado nisso antes? Depois de uma rápida lembrança dos momentos felizes que passamos ali, ficou muito claro: aquele era o lugar certo. Mas todas as outras pessoas tinham tanta certeza de que o lugar certo para as suas cinzas era na sua casa que ninguém nunca me perguntou se foi lá que eu as coloquei, no final das contas.
        É, você foi levada pelo vento no alto de uma cachoeira, cercada por dezenas de espécies de plantas, ao canto dos passarinhos cruzando a imensidão de um céu como testemunha. Cortando o ambiente repleto de sons apenas da natureza, tudo que se ouviu no último momento de contato com o que havia sobrado de tangível de você, foi: "Voa, minha mãe, voa!"
        Sem mais caminhos que nos unissem fisicamente, era o que eu podia te desejar de melhor: a liberdade. De dores, sofrimentos, desilusões, arrependimentos e de todas as inevitáveis agruras da vida terrena.
        E você voou diante dos meus olhos, mãe, em milhares de partículas que, em poucos minutos, pousaram nos arbustos, nas árvores, nas flores, na água e nas pedras da cachoeira. Ali, mãe, você virou planta, água e flor, unindo o seu ciclo ao ciclo delas.
        Foi o melhor que eu pude fazer no final da vida para quem me deu a vida, e para quem uma vida de verdade era morar no mato, cuidar de plantas, cachorros e se esquecer da civilização para poder desfrutar das alegrias de estar cercado pela natureza.


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4 comentários:

  1. Minha querida!! Nem sei o que dizer/escrever...
    Sinto muito!!! E sei o "sentir", das palavras,da dor, da saudade de tantas formas/sensações/vazios/medos...e tudo que ela, leva e trás.Só sei que o tempo, faz com que a gente apenas se acostume com a dor e a saudade...Um abraço,longo e dos bons!
    Logo estaremos juntas!

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    1. O tempo leva entes queridos sem os quais a gente jamais imaginou viver, mas certamente também traz pessoas cuja capacidade de superação serve de exemplo para a gente construir um amanhã mais leve.
      Meu agradecimento antecipado pela acolhida.
      Um beijão

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  2. Lindo texto, Dri, lindo mesmo! Sua mãe, meu pai, outros entes queridos que se foram, são pessoas inspiradoras, que fazem a nossa escrita fluir de uma maneira maravilhosa. Belo gesto o seu, bonito mesmo. Queria eu poder ter feito algo parecido pelo meu pai, mas eu era apenas uma criança de 6 anos. As poucas lembranças que tenho dele carrego comigo de uma forma muito especial. Ler suas palavras deixou o meu dia ainda melhor, pode ter certeza. Beijão

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    1. Obrigada pelas palavras. Elas têm ainda mais valor para mim porque eu sei que você sabe o que é passar por isso.
      Um beijo enorme.

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